A passagem do ano de 1999 para 2000 foi marcada por uma série de profecias anunciando o fim do mundo. Naquela data, as forças celestiais e as tropas infernais se digladiariam sobre a Terra, espalhando morte e destruição entre a humanidade cujo papel seria muito simples: o de vítimas não tão inocentes em uma guerra que não lhe dizia respeito. Os “justos” seriam salvos, sendo abrigados na morada do Senhor e o restante de nós passaria o resto da eternidade ardendo nas chamas infernais. Eu não sei quem julga quais são os “justos” e quais são os destinados ao Inferno, mas a verdade é que muitas religiões esperavam, com um suspeito deleite, o proclamado Dia do Juízo Final. Marcaram até uma data: 31/12/1999. O interessante dessa data é que ela atende só parte da humanidade. Afinal, para os chineses já passamos do ano 5000. Mesmo assim, a data fora marcada com uma temível precisão.
Nem o fato de pesquisas recentes afirmarem que o nosso calendário está equivocado – hoje estaríamos por volta do ano 2004 – e da virada do século/milênio ter acontecido entre 2000/2001 e não entre 1999/2000 demoveu certos Profetas do Apocalipse de suas crenças.
De qualquer forma, como nada disso aconteceu, o filho da Besta não nasceu, Jesus não retornou e a humanidade continua seguindo o mesmo caminho, o jeito é brincar com as velhas profecias. Belas maldições – as belas e precisas previsões de Agnes Nutter, bruxa é a investida de Terry Pratchett e do mestre dos sonhos, Neil Gaiman no tema. Esses dois senhores ingleses decidem distorcer, a seu modo, as tão famosas e proclamadas teorias sobre o fim dos tempos e, como resultado, nos premiaram com um livro absurdo e, ao mesmo tempo, delicioso.
Neil e Terry fizeram como as velhas profecias e marcaram um dia exato para o começo do fim do mundo: Sábado que vem, às 18:00hs. em uma pequena cidade inglesa.
A história começa por volta de 6000 anos atrás, com o inusitado diálogo entre Arizaphale, o anjo do Portão Leste do Éden e Crowley, a serpente que tentara Eva a morder a maçã. Apenas uma pequena introdução para a trama que virá.
5089 anos depois, ou seja, 11 anos atrás, Crowley está muito preocupado com um parto em particular, pois dele nascerá o Filho das Trevas, a criatura que, nos nossos dias, seria o responsável pelo início do Apocalipse. Para que isso aconteça, essa criança deveria ser tirada secretamente de seus pais verdadeiros e entregue a uma família – cuja mulher também daria à luz a um menino na mesma hora e hospital – que o criaria sob preceitos satanistas. A idéia era a de que atingisse o ápice de seus poderes aos onze anos de idade. As coisas dão errado e o menino, Adam, tem uma infância normal. Mesmo assim, alheios a tudo isso, Céu e Inferno preparam-se para o Armagedon e mobilizam seus principais agentes na Terra: Arizaphale e Crowley. No entanto, há um pequeno problema com o qual nenhuma das partes envolvidas contava: o anjo e o demônio adoram a Terra e seu povo e não querem que tudo seja destruído.
Hoje é quarta-feira e os dois tem três dias para encontrar um meio de impedir que o plano inefável do Céu e do Inferno aconteça....
Em Belas maldições – as belas e precisas previsões de Agnes Nutter, bruxa”, Gaiman e Pratchett conseguem tirar o máximo de cada uma das incontáveis personagens do livro, desde Pimentinha, integrante de “Eles”, a suposta gangue de Adam – na verdade, quatro crianças travessas –, aos anjos e demônios, passando por indivíduos realmente estranhos como Não-Cometerás-Adultério Pulsifer, um antigo caçador de bruxas, e até mesmo os Cavaleiros do Apocalipse. Esses, inclusive merecem destaque por terem sido atualizados pelos autores.
Os Cavaleiros de Belas maldições... trocaram os cavalos por motos e cada um age de maneira diferente: Guerra é uma bela mulher que atraí – ou distribui – seu nome onde passa; Fome é um executivo do ramo de alimentos que criou uma popularíssima marca de comida que não engorda, mas também não alimenta; Morte é apenas um Motoqueiro alto, robusto e imutável; e Peste... Bom, Peste está aposentada desde 1929, quando descobriram a Penicilina. Poluição, então, tomou seu lugar.
Há muito humor em Belas maldições..., aliado à magia e à fantasia características de Neil Gaiman e situações completamente non sense. É o tipo de livro que o captura de tal forma que só se consegue parar na última página. E dá vontade de ler de novo e de novo.
Belas maldições – as belas e precisas previsões de Agnes Nutter, bruxa - Neil Gaiman & Terry Pratchett
Bertrand Brasil, 1998
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Leia também as resenhas dos outros livros de Terry Pratchett:
07/12/2001 A cor da magia
30/04/2001 A luz fantástica